quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"Trigueira"


(... de Van Gogh)
 
Trigueira! Que tem? Mais feia
Com essa cor te imaginas?
Feia! Tu, que assim fascinas
Com um só olhar dos teus!
Que ciumes tens da alvura
D’esses semblantes de neve!
Ai, pobre cabeça leva!
Que te não castigue Deus.
 
Trigueira! Se tu soubesses
O que é ser assim trigueira!
D’essa ardilosa maneira
Por que tu o sabes ser;
Não virias lamentar-te,
Toda sentida e chorosa,
Tendo inveja à cor da rosa,
Sem motivos para a ter.
 
Triguieira! Porque és trigueira
É que eu assim te quis tanto,
Daí provem todo o encanto
Em que me traz este amor.
E suspiras e murmuras!
Que mais desejavas inda?
Pois serias tu mais linda,
Se tivesses outra cor?
 
Trigueira! Onde mais realça
O brilhar duns olhos pretos,
Sempre húmidos, sempre inquietos,
Do que numa cor assim?
Onde o correr duma lágrima
Mais encantos apresenta?
E um sorriso, um só, nos tenta,
Como me tentou a mim?
 
Trigueira! E choras por isso!
Choras, quando outras te invejam
Essa cor, e em vão forcejam
Por, como tu, fascinar?
Ó louca, nunca mais digas,
Nunca mais, que és desditosa,
Invejar a cor da rosa,
Em ti, é quase pecar.
 
Trigueira! Vamos, esconde-me
Esse choro de criança.
Ai, que falta de confiança!
Que graciosa timidez!
Enxuga os bonitos olhos,
Então, não chores, trigueira,
E nunca dessa maneira
Te lamentes outra vez.
 
                                 JÚLIO DINIS
  
Imagem:JulioDinis.jpg
Júlio Dinis é um conhecido romancista do século XIX que  nasceu  no Porto, no dia 14 de Novembro de 1839. Teve uma vida curta - morreu em 12/09/1871, aos 31 anos - mas deixou uma considerável obra literária.
A lembrar:
"As Pupilas do Senhor Reitor; Uma família Inglesa; A Morgadinha dos Canaviais; Serões da Província; Os Fidalgos da Casa Mourisca e ainda as que foram publicadas postumamente como "Inéditos e Dispersos", "Teatro Inédito" e   "Poesias" , de onde foi retirado o célebre poema "TRIGUEIRA"

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